#04 - Qual é o SEU desejo?
Quando um gênio da lâmpada me fez essa pergunta, fiquei sem resposta.
Existe um tema que vem me perseguindo e, quando isso acontece, a única forma que encontro de dialogar com esse perseguidor é escrevendo. Nesse sentido, convido você, que me lê, a me acompanhar nesse percurso dialógico.
Se um gênio da lâmpada me questionasse:
Qual é o seu desejo?
Provavelmente, eu lhe diria: não sei.
Afinal, os nossos desejos não são realmente nossos. Eis a premissa que me persegue.
Em determinado momento de seu livro “Introdução à leitura de Hegel”, o filósofo russo Alexandre Kojève diz que a realidade humana, distinta da realidade animal, só se cria através da realização (ou da busca da realização) dos desejos compartilhados na sociedade. E afirma: "a história humana é a história dos desejos desejados", eis uma sentença poética e intrigante. Soma-se a isso a ideia do psicanalista francês Jacques Lacan, que parte do conceito da pulsão desejante freudiana para afirmar que:
“O objeto do desejo humano não é um objeto, mas outro desejo. Portanto, o que o homem deseja é sempre o desejo do Outro.”
Sei que já mencionei essa ideia de Lacan na postagem anterior, mas, como já disse, esse tema vem me perseguindo.
Então, o que você deseja não é, realmente, um desejo seu, mas um desejo de outro.
Ah, mas eu não sou assim. Eu sou dono dos meus desejos – dirá algum ser em sua pretensa perfeição.
Dou-te exemplos – responde a voz da consciência (ou do inconsciente?).
O seu desejo de ganhar na Mega-Sena e de ficar rico não é um desejo seu; não é um desejo da sua essência, nem da sua natureza. Mas sim, um desejo resultante de um modo de produção (o capitalista), que tem em seu cerne a desigualdade como fundamento: a desigualdade econômico-social, baseada na concentração de renda nas mãos de poucos e na escassez para muitos, para que assim os pobres sejam obrigados a vender o seu valoroso tempo (que deveria ser usado com momentos de prazer em família ou sozinho) para não morrerem de fome.
O desejo de ter um grande carro novo (essas aberrações cada vez maiores), um celular ou uma bolsa de determinada marca não são desejos da natureza humana, mas desejos impostos culturalmente por esse sistema, que vende a ideia de uma constituição da identidade (e individualidade) através da distinção (como bem escreveu o sociólogo francês Pierre Bourdieu) e do “status” por meio do consumo, alienando o ser de suas verdadeiras necessidades, que não são materiais, mas sim do espírito (da alma, da mente). Como bem explica a psicanálise: o desejo, em si, é “sem objeto”. Porém, para que este sistema se retroalimente, é necessário criar novos desejos materiais a cada momento.
Nesse sentido, aí está a estética publicitária, que engendra desejos inacessíveis, gerando uma massa alienada em busca de posições e prêmios inalcançáveis, feito coelhos que correm atrás da cenoura em uma corrida de cachorros. Eis um aspecto da ideologia empreendedora, que transforma as interações humanas em relações de concorrência e competição, em que os antigos companheiros de trabalho se tornam adversários a serem combatidos.
Dessa forma, se pensarmos em um outro modo de produção que não seja baseado na desigualdade, no consumismo, na exploração ambiental e na desumanização do ser, ainda assim haverá desejo, pois desejar é o que nos coloca em movimento; no entanto, nesse novo cenário, os desejos humanos serão outros, possivelmente não materiais. Desejos que se relacionam às necessidades da mente, da sensibilidade; quiçá: a arte, sempre ela para nos salvar.
Já imaginou um mundo em que desejássemos escrever um poema, compor uma música ou pintar um quadro em vez de comprar um carro, uma bolsa ou um iPhone?
“Arte é uma forma de alimentação (da consciência, do espírito).” Susan Sontag (Diários II, 1964 - 1980)
Em 2022, publiquei o livro de contos Via oral pela editora Reformatório. Caso queira adquirir, basta clicar aqui.
Muito obrigado!
Na casa da Tiê, tudo que ela desejava era ter filhos. Foram 5. Tiê amava gestação, a coisa toda de ser habitada por outra pessoa. Depois do 5o, disseram que ela não poderia mais gestar. Comprou uma TV para a sala, para a cozinha e para o quarto. E nunca pensou no que desejava ter.
(Baseado em uma vida real)
Lembrei dessa pessoa enquanto lia você. Obrigada.